24 de agosto de 2025

Pai, dá “licencia” – por Gecildo Queiroz

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Era início de noite, depois do jantar, hora de ir brincar na rua. Meu velho e saudoso pai estava na área da frente de casa, sentado, conversando com um amigo. Passei entre os dois voando, doido pra brincar de Garrafão, a brincadeira escolhida daquela noite.

E meu pai logo freou minha energia. “Ei, não esqueceu nada?” Conferi a sandália: no devido lugar. Não estava nu (como ele dizia quando eu não vestia a camisa). Ah, já sei, quase me esqueci: Boa-noite, seu Tonho, disse pra o amigo dele. Crente de que já podia ir brincar, preparei a carreira e… “ei, rapazinho, ainda está faltando”. Agora foi que deu, já tinha feito tudo direitinho, tinha até tomado banho. “Você não passou no meio de dois bichos”, esclareceu meu pai. “Peça licença quando atravessar na frente das pessoas”. Eita, aquela lição foi ensinada tinha apenas alguns dias, ainda não tinha assimilado.

Não tem jeito, sou da opinião que as crianças são o reflexo dos pais. Geralmente dão o que recebem. Aprendem com o que veem. Todo lugar que eu ia com meu pai, as palavras que mais ouvia eram: “licencia (meu pai não teve estudo)” e as outras que sempre começavam com “bom” ou “boa” e terminavam em dia, tarde ou noite, dependendo do turno. Nunca saiu da minha cabeça o episódio que acabo de narrar. Ainda hoje, em shows, por exemplo, quando não há necessidade de pedir licença para cada uma das mil pessoas que circulam por toda parte, sempre me vem o que aprendi com ele: “licencia”. Repeti a palavra assim até saber falar e escrever direito. Tive oportunidade de estudar. A maioria dos pais e filhos das novas gerações também teve e ainda tem, mas é como se não tivesse.

Os pés do meu pai pisaram numa sala de aula por exatos dois meses. Ou seja, quase nada. Teve que escolher entre sobreviver e estudar. Escolheu o óbvio. Podia ter me dado mais, se tivesse mais. Mas o que tinha decidiu dar direito. E, das coisas que aprendi com ele, uma nunca esqueci: todos merecem respeito e atenção. Quem carrega ouro e quem carrega latão. Hoje, o que menos temos é respeito entre os pequenos. Por que será? Os adultos talvez tenham a resposta. Os filhos nasceram deles.

“Faça amigos, pois são os bens que duram na vida”, dizia ele. E seguia isso religiosamente. Acho que essa lição eu aprendi.

Peço “licencia”, meu pai, caso esteja invisível por aí, no meio de uma conversa com um amigo, e eu não perceba. E como a saudade não considera o tempo: bom-dia, boa- tarde e boa-noite.

 

Visite o blog do professor, escritor e humorista Gecildo Queiroz: valedoverbo.blogspot.com

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