27 de julho de 2025

(ARTIGO) Vinho “Los escravos”. Notas de sangue e sofrimento, retrogosto: amargo

Por

Redação, sitepa4

Mário Diniz – Auditor Fiscal do Trabalho

 

Por *Mário Diniz

A notícia de 200 trabalhadores baianos resgatados da condição análoga a escravo na Serra Gaúcha percorreu o país. Saber que grandes vinícolas brasileiras utilizam na sua cadeia produtiva trabalho escravo, azedou a safra. Feito o estrago, o poder público corre para remediar a situação: os trabalhadores são recepcionados com zelo e atenção pelos diversos órgãos governamentais no seu Estado de origem. Mas este não é um fato novo nem isolado.

A época da vindima – colheita da uva – remonta a mais de um século, quando seu cultivo foi introduzido pelos colonos italianos na serra gaúcha. Assim, mesmo com as recentes mudanças climáticas no mundo, há pelo menos cem anos, a safra da uva no RS acontece em um calendário determinado, bastava ir lá e verificar. Porque isso não aconteceu? Chama a atenção é que tal descalabro só veio ao conhecimento das autoridades devido à fuga e denúncia de três trabalhadores que fizeram o Estado brasileiro “acordar” e ver que o vinho gaúcho está sendo produzido com trabalho escravo!

A pergunta que fica no ar é: há quanto tempo isto estava ocorrendo e porquê somente agora o estado brasileiro agiu? As respostas são várias, mas existem fatores importantes. Em tempos de uma ética global de precarização de direitos, naturalizou-se o aviltamento ao trabalho – tanto por quem avilta, (como é o caso da lamentável fala do vereador gaúcho), quanto por quem é aviltado – as vítimas, resignadas por não encontrarem alternativas ou a proteção do Estado. A terceirização irresponsável, nos marcos de sua ampla flexibilização, em 2016, dá margem aos verdadeiros responsáveis, os tomadores do trabalho, dizerem que “não sabiam” da situação que acontecia dentro de seus vinhedos! E por fim, tornou-se um risco calculado e vantajoso aviltar o trabalho humano, posto que a instituição a quem compete a fiscalização destas relações, a Inspeção do Trabalho, está completamente desmantelada.

Assim, o governo brasileiro acaba gastando mais resgatando do que prevenindo tais situações, porque simplesmente não existe mais efetivo capaz de dar conta de forma eficaz da fiscalização das relações do trabalho no Brasil, sejam aquelas mais regulares ou aquelas mais graves, consideradas crimes, como é o caso do trabalho análogo a escravo. A ausência de estrutura e de Auditores Fiscais do Trabalho se encarregarão de fazer desse episódio mais um dos que provavelmente estão acontecendo neste momento no país, seja nas safras de uva, café, cana, açaí ou até mesmo no trabalho urbano e doméstico nas grandes cidades.

Todos os indicadores de precarização das relações de trabalho (acidentalidade, adoecimento, trabalho infantil e escravo) pioraram. Importante lembrar que a Auditoria Fiscal do Trabalho no Brasil possui, hoje, quase metade dos seus cargos vagos (cerca de 1.600), portanto a ausência generalizada da presença fiscal é um convite para que situações como esta ocorram, já que em raras hipóteses os maus empregadores serão pegos com a “boca na butija”. O que espera o novo governo para agir e reaparelhar a Inspeção do Trabalho?

A naturalização do desprezo pelo trabalho humano é uma ética nefasta que tem tomado conta do mundo neste início de século XXI. Ela está presente no sistemático desrespeito aos direitos e à dignidade dos trabalhadores dando lugar a super exploração sem a contrapartida mínima de direitos. Cabe enxergar e denunciar o aviltamento cotidiano do mundo do trabalho: nos trabalhadores de aplicativos magicamente “sem patrão”, na terceirização irrestrita e irresponsável, nas crianças nas sinaleiras, nos trabalhadores que morrem construindo estádios para a Copa do Mundo e por ai vai. Caberá aos comprometidos com um patamar civilizatório mínimo no mundo do trabalho, a batalha para afastar este cálice amargo da desvalorização do trabalho como ética dominante deste novo milênio enquanto ainda é tempo.

 

*Mário Diniz – Auditor Fiscal do Trabalho, membro do Instituto Trabalho Digno e presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho no Estado da Bahia – SAFITEBA.

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