Por Francisco Nery Júnior
A minha segunda cirurgia para fechamento de uma hérnia me fez estar longe de Paulo Afonso por quarenta dias. Confinado em um apartamento, procurando seguir os procedimentos de resguardo e evitar os excessos, os livros foram a minha tábua de salvação. Creio ter afirmado em crônica anterior que a dor nos impulsiona para a frente. Podemos estender o sentido de dor para dificuldade, perseguição, decepção, desafio e outros vocábulos ao gosto do leitor. Foi o caso do meu confinamento. Li cerca de quatro novos livros durante o meu confinamento e creio ter acumulado um pouco mais de experiência, senão sabedoria.
O programa de assistência aos pobres, miseráveis e desvalidos do Brasil voltou a ser chamado de Bolsa Família. Discutido e analisado, suscita alguns senões para alguns. Os senões que acabamos de grafar representam, para mim, a certeza que ninguém é contra um programa que procura prover àqueles desvalidos um mínimo para a sua sobrevivência.
Não é coisa nova no Brasil. Poderíamos alegar a conhecida e citada Petição de Miséria bem lá pra trás. Ainda no final do século passado, Antônio Carlos Magalhães já falava em um programa de auxílio para os pobres. Para não citarmos a distribuição de trigo para os pobres de Roma. Carece assisti-los. Mesmo que seja com o objetivo de sobrevivência. Maria Antonieta e Luís XVI fizeram ouvidos moucos e perderam a cabeça inteira.
Li um bocado em Salvador. E passo para o leitor – e isto não significa um dos senões a que já nos referimos – o final da crônica Natal de Severino de Jesus de Rubem Braga datada de 1958, há, portanto, sessenta e cinco anos. Ela está em Crônicas Escolhidas, uma coletânea do autor, seleção e prefácio de Gustavo Henrique Tuna:
“É impossível socorrer o menor abandonado, pois se assim se fizer, ele deixará de ser abandonado. E se não houver menores abandonados, várias senhoras beneficentes ficarão sem ter o que fazer. E vários senhores que falam na televisão sobre o problema dos menores abandonados não terão o que dizer. E esta minha crônica de Natal não terá nenhuma razão de ser.”
Muito menos a minha, se o Brasil, com todo o seu potencial, se desenvolver e todos tiverem as condições necessárias para o seu sustento, com dignidade e sem favores.