Por Francisco Nery Junior
Ela era nossa professora na PUC de Salvador. Eu com 23 e ela ao redor dos sessenta anos. Um dia chegou em sala de aula esbaforida. Ela era descuidada, se vestida sem rigor e nada devia de apego ao establishment. Nós gostávamos da sua falta de apego, ela que sempre se propunha a nos conduzir nos caminhos da literatura.
Um dia chegou mais agitada. Entrou na nossa sala meio como um fantasma. Pelo que me lembro, tivemos, com ela, ou por ela, uma das nossas melhores aulas. O fato é que ela tinha, naquele dia, de volta do trabalho, encontrado a sua casa em polvorosa; cheia de gente, vizinhos, conhecidos e parentes, todos tristes e penitentes a lamentar a sua morte. Ela, nesse momento – e nessa incerteza – “não sabia se estava viva ou se estava morta”.
Isso aconteceu lá pelos anos setenta e ela já deve ter passado pela morte desta vez certa.
Eu, seu aluno dedicado e agradecido, ainda vivo, isto é, em vida, escuto, da minha casa no BNH, nesta tarde de julho, os acordes dolentes do carro de som do serviço funerário de um homólogo Francisco Nery a caminho da sua morada final no cemitério local.
E – vivo – narro, instado pelo meu redator-chefe, para os meus leitores, a história de uma professora especial que fez diferença em minha vida de estudante de literatura.