Toda vez que alguém ganha uma eleição para um cargo executivo, ou quando alguém é nomeado para uma função, fico a imaginar – e me dá um calafrio das pessoas responsáveis que, como o leitor, teimo em ser – o vazio, o infinito ou o além (fica a cargo do leitor escolher um dos três) que vai no interior do eleito ou do nomeado. O golfo profundo fica mais assim quando a realidade de ter que lidar com pessoas fica patente; lidar com gente. E agora, deve meditar o eleito, o que fazer, ou como fazer, para realizar ou para se manter no cargo?
Como Edson Lobão que, eleito governador do Maranhão, correu atrás de Tarso Gereisati, bem avaliado governador do Ceará na legislatura anterior, para conselho, bem, para governar com eficiência, corra-se atrás dos bem –sucedidos. (Lobão foi bem avaliado na empreitada de governar o Maranhão.)
Agora lemos que o modelo de gestão da instituição Sara Kubitschek funciona. O que lemos alhures sobre o sistema público geral de assistência médica no Brasil é bem diferente. Se o Sara funciona e gera saúde, por que não ir atrás do modelo do Sara? Não só correr atrás: perseguir e buscar. Modelos bem-sucedidos deveriam ser “corridos atrás”. Mais uma vez, a critério do leitor discorrer; explicar por que as coisas não funcionam bem no Brasil (algumas poucas funcionam).
Ia do IFBA para a minha casa no BNH. Caminho paradisíaco. O passar pela Avenida das Caraibeiras, beirar a Praça das Mangueiras, cruzar a Apolônio Sales pelo Lindinalva Cabral, antiga pista e hangar da Aviação da Chesf, alcançar a Praça do Rotary logo depois de uma ponte obra de arte sobre um canal artificial da Usina PA-IV de quatro quilômetros de extensão cavado a dinamite literalmente na rocha, na pedra do sertão nordestino; então, isto é percorrer um caminho paradisíaco. Voltando a dizer que vinha no meu caminho, ia seguindo – na realidade me arrastando para não ser multado pelo radar eletrônico – quando, a meu lado, me ultrapassa lentamente uma moto tipo Shineray.
Pedaço do para-lama faltando, placa nem se fala, amortecedor de ruído nem pensar! Essa era a minha concorrente. Corria um pouco mais veloz do que eu. Em cima, um nordestino ruivo daqueles de cepo altaneiro que conhecemos. Atrás dele, na garupa (ou do que restou dela), amarrado como tesouro bem prezado, um tonel de leite. Era de impor respeito o cuidado com que o meu semelhante conduzia o seu tesouro. Na minha cabeça, naquele instante, enquanto paralelamente ele e eu seguíamos na batalha da vida, se passaram todas as prováveis peripécias daquele pequeno produtor. Passaram, também, as suas expectativas: um dinheirinho no bolso, algumas dívidas pagas, uma roupinha melhor para um filho; uma parabólica. Em cima de uma velha moto, na cabeça de alguém que nunca se deixa dobrar pelas circunstâncias e pelo abandono de um Estado que o deveria amparar e proteger, tudo isso se passava.
A que conclusão fatalmente nos conduz a pintura do quadro acima? Qual o caminho mais intuitivo deveria o Estado, dito criado para promover igualdade de condições entre os cidadãos, tomar? Restringir a epopeia do nosso personagem a um poema de um cronista renitente? Simplesmente condená-lo ao limbo? Ou deveria o Estado Brasileiro colocar toda a sua estrutura primordialmente em favor de quem produz? O nosso campesino fez muito bem o dever de casa. Em cima da moto velha e surrada, levou a sua produção. Abasteceu as nossas mesas. Alimentou as nossas crianças. Não deveria ser ele o foco principal dos bancos de fomento oficiais? Para ele não deveriam ser oferecidos empréstimos com juros preferencias, como aqueles que regem os empréstimos a países amigos que precisam de nós? Ou será que todos – Estado e mesmo nós – o condenamos, para o conforto das nossas almas sem remorsos, à sua situação que queremos considerar irreversível e inevitável?
Mais uma vez Castro Alves: “ Só não tem ouro para valer aos pobres.”
Francisco Nery Júnior