Como início de conversa, vamos nos restringir ao cumprimento da pena pelo paciente após condenação em segunda instância do Judiciário. No momento desta escrita, o placar no Supremo Tribunal Federal está em 5/3 em favor do cumprimento. Em princípio, os ministros julgam o habeas corpus em favor de Luís Inácio Lula da Silva, condenado em segunda instância, impetrado pelos seus advogados. Para os estudantes de línguas, habere é o verbo ter em latim. O presente do indicativo é habeo, habeas, habet, ou seja, eu tenho, tu tens, ele tem. Assim sendo, habeas corpus significa literalmente tu tens o teu corpo, o que quer dizer que o paciente ou acusado vai ou se dirige para onde deseja; não tem a sua liberdade cerceada.
Na maioria dos países desenvolvidos, inclusive em alguns países islâmicos, o cumprimento da pena pode – pode e não necessariamente deve – se iniciar após condenação em segunda instância. Esperar-se o propalado trânsito em julgado com todos os agravos, embargos de todo tipo e recursos especiais corresponde à impunidade. Impunidade dos ricos que podem contratar bons advogados, muitas vezes com o dinheiro surrupiado de nós outros pagadores de impostos. O tempo corre, os anos passam, não raramente o processo prescreve por decurso de prazo e o infrator ou réu fica a zombar de um sistema que de justiça nada tem. Os meninos do baseado de maconha, pobres por condenação do sistema social brasileiro; os meninos pobres mofam nas cadeias brasileiras, masmorras do descaso e da indecência que nos atormenta.

A considerada segunda instância é na realidade a quarta instância. Se considerarmos o indiciamento pela autoridade policial e a denúncia oferecida pela promotoria como instâncias iniciais – na realidade são -, o que o Supremo está prestes a autorizar é o cumprimento da pena em quarta instância. O investigador percebe indícios de infração ou crime, o promotor de justiça denuncia o infrator convencido pelos indícios apresentados, o juiz de primeira instância condena baseado nas provas oferecidas e o colegiado de segunda instância mantém a condenação. Por que, então, o cumprimento da sentença não se dar após a segunda instância judicial?
O importante em tudo isso é observar a tese defendida pela maioria dos ministros segundo a qual a condenação em segunda instância não fere necessariamente o princípio da presunção de inocência do acusado. O direito de o condenado continuar a recorrer fica preservado.
Observe o leitor alguns dados oferecidos pelo ministro Luís Roberto Barro em tarde de inspiração: (1) Menos de 3% dos recursos extraordinários são acolhidos pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo STF, a maior parte deles, curiosamente, impetrados pela acusação. (2) Apenas 1,12% são deferidos em favor do réu. (3) Segundo dados do STF, dos cerca de 25.000 recursos impetrados entre 2006 e 2016, apenas 0,035% lograram a absolvição dos réus.
Riscos de injustiça sempre existirão como existem riscos na prática da medicina e na aviação. O que concordamos na tese brilhantemente exposta pelo ministro Barroso é que a Justiça tem que alcançar os grandes e ricos infratores como alcança os pobres e desvalidos.
E para encerrar, poupando o leitor do cansaço de uma matéria longa, a última pérola da brilhantíssima exposição do ministro Barroso: “Se há o habeas corpus, que é muito mais ágil [para a correção de erros ou injustiças], por que o transitado em julgado?”
Francisco Nery Júnior
Na prática caro professor, o pobre já é preso na primeira instância( e muitas vezes solto na segunda), mas com a decisão de ontem o STF rasga a constituição e muda um cláusula que só poderia ser modificada pelo congresso, ainda serão julgados os ADC´s e com certeza o entendimento sobre a prisão em segunda instância não vai prevalecer, e Carmen Lucia tomou uma decisão politica o que é grave, o juiz não pode julgar pela capa do processo mas esse foi.
Coisa mais linda a fala do Barroso e vossa explanação. e ONDE fica o artigo 5 LVII da Constituição Federal? LVII- ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Da CONSTITUIÇÃO! Não é do estatuto da torcida do Real Madri não? Aquelas falas todas era só pra encher linguiça e justificar o injustificável. Mais claramente eles simplesmente Criaram uma LEI! Aqueles advogados meia boca criaram uma Lei, o que é simplesmente proibido a eles, e Essa Lei só existe na cabeça deles.
os seis juizes do stf Simplesmente apagaram o Artigo 5 Ensico LVII, Que diz: LVII- ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Artigo esse da Constituição Federal!
A relativização que o STF deu à presunção de inocência foi a mesma que deu à união estável ao reconhecê-la a pessoas de mesmo sexo, sendo que o texto constitucional expressamente só a reconhece quando entre HOMEM E MULHER. Então, quem defende aquela relativização (união estável entre pessoa de mesmo sexo), não pode se espernear com esta (presunção absoluta de inocência), pois ambas originam-se do texto Maior, e não são nem podem ser absolutas. Parabéns ao professor Nery, que embora não seja da área jurídica, fez uma inteligente leitura da decisão proferida pelo STF, em evidente exercício da teoria da “sociedade aberta dos intérpretes da constituição” preconizada por Peter Häberle.
Queira o leitor considerar o nome do ministro Luís Roberto Barroso. Ainda considerar o sinal tônico no E central de habere que a máquina editora não imprime. Não temos os sinais do Alfabeto Fonético Internacional (IPA). Habere tem a pronúncia paroxítona. É como se pudéssemos grafar “abere”.
Feliz da comunidade que tem cabeças capazes dos oportunos e brilhantes comentários acima. Apenas a título de esclarecimento, com a devida vênia, parece ter valido a pena ter sido discípulo do professor Barreto que carinhosamente chamávamos de Barretinho, profundo conhecedor de latim (Barretão, o mais gordo, foi outra pérola que tivemos no Colégio da Bahia). Ah, e as noites “perdidas” bebendo nas fontes cristalinas Arnaldo da Silveira e Lourenço dos Passos (e muitos outros) no Tribunal do Júri da Bahia. Terminado meu curso de Letras na PUC de Salvador, ia entrar já no segundo ano de Direito. Passei em concurso para a Chesf (concorri com mais de 300 candidatos, sim; está nos arquivos da Chesf). Tive, em consequência, que dirigir todo meu ânimo e vigor para os misteres da Companhia, agora convocado para o cargo de professor do Colepa (talvez minha ingenuidade). Creio a Chesf nossa parceira no Nordeste e em Paulo Afonso. Testemunho o compromisso da empresa com o desenvolvimento do Nordeste e do Brasil.